Carta dos Presidentes da OCDS no Brasil sobre a CFE-2021

Carta dos Presidentes da OCDS no Brasil sobre a CFE-2021

11 de Fevereiro, 2021 0 Por carlosocds

Em espírito de unidade com a Igreja e testemunhando que a nossa Paz é Cristo (Ef 2,14), os presidentes da OCDS no Brasil, Carlos Vargas (Província Nossa Senhora do Carmo) e Rose Lemos (Província São José), escreveram uma carta sobre a Campanha da Fraternidade Ecumênica deste ano (CFE-2021), refletindo sobre a caminhada quaresmal que iniciaremos a partir da quarta-feira de cinzas.

O arquivo da carta (PDF) está disponível no link abaixo.

“Fraternidade e Diálogo: compromisso de amor”

“Cristo é a nossa Paz: do que era dividido, fez uma unidade” (Ef 2, 14).

Queridas irmãs e queridos irmãos do Carmelo Descalço Secular no Brasil,

Queremos refletir juntos sobre a Quaresma e sobre a Campanha da Fraternidade, que surgiu, na década de 1960, como uma grande iniciativa da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), a partir da reflexão sobre as “cruzes” que encontramos na sociedade e da busca de instrumentos evangelizadores para alcançar as pessoas mais pobres, marginalizadas e vulneráveis: “a Quaresma é um tempo propício para que, atentos à Palavra de Deus que nos chama à conversão, fortaleçamos em nós a compaixão, nos deixemos interpelar pela dor de quem sofre e não encontra quem o ajude. É um tempo em que a compaixão se concretiza na solidariedade, no cuidado” (Papa Francisco).

A Quaresma é um tempo especial de fé e conversão, como escutamos na celebração da quarta-feira de cinzas: “convertei-vos e crede no Evangelho” (Mc 1,15). Nessa caminhada quaresmal, preparamo-nos para a Páscoa (“passagem”), carregando a nossa Cruz a cada dia (Mc 8,34): “o peso da Cruz, que Cristo carregou, é a corrupção da natureza humana com todas as suas consequências de pecado e sofrimento, com as quais sofre a humanidade decaída. Subtrair do mundo essa carga
é o sentido último da Via Sacra. O regresso da humanidade libertada ao Coração do Pai Celeste e ao estado de filhos adotivos é um dom gratuito da Graça,
do Amor Misericordioso” (Santa Teresa Benedita da Cruz).

No Brasil, a preparação quaresmal para a Páscoa passa pela Campanha da Fraternidade, que tem nos ajudado, nas últimas décadas, a nos converter, mudando nosso coração, com a Graça Divina, para que sejamos mais dispostos a amar e servir como Cristo nos ensinou. Dessa forma, uma Campanha da Fraternidade não apresenta uma “doutrina”, mas apresenta metas pastorais, conforme se expressa nos seus “objetivos permanentes”: despertar o espírito comunitário e cristão no povo de Deus, comprometendo na busca do bem comum, educar para a vida em fraternidade e renovar a consciência da responsabilidade de todos pela ação da Igreja na evangelização e na promoção humana.

Neste ano, a Campanha da Fraternidade nos convida a redescobrir “Cristo no caminho” e “a Paz do Ressuscitado que nos une”, reforçando, em todas as comunidades de fé, a questão do diálogo, para que possamos levar adiante um compromisso de amor. Outra diferença deste ano é que a campanha é ecumênica, isto é, feita em parceria com o Conselho Nacional de Igrejas Cristãs (CONIC), como ocorre a cada cinco anos. Sendo assim, o texto-base surgiu de um diálogo amoroso da CNBB com a Aliança de Batistas do Brasil, a Igreja Episcopal Anglicana, a Igreja Evangélica de Confissão Luterana, a Igreja Presbiteriana Unida e a Igreja Sirian Ortodoxa de Antioquia.

Acreditamos que esse diálogo ecumênico pode contribuir na superação da violência, do ódio e da morte de pessoas. O texto-base da Campanha da Fraternidade deste ano nos convida, no seu parágrafo 3, a “redescobrir a força e a beleza do diálogo como caminho de relações mais amorosas… fortalecer a convivência ecumênica e inter-religiosa, estimular o diálogo e a convivência fraterna como experiências humanas irrenunciáveis, em meio a crenças, ideologias e concepções, em um mundo cada vez mais plural e compartilhar experiências concretas de diálogo e convívio fraterno”.

Contudo, ao abordar alguns problemas sociais, o texto-base da Campanha da Fraternidade, escrito por uma comissão ecumênica específica e aprovado pelo Conselho Episcopal Pastoral da CNBB, “põe o dedo na ferida”, ao questionar todos os tipos de violências. Nesse contexto, estamos acompanhando diversas polêmicas nas redes sociais. Podemos ter dúvidas e questionar algum ponto específico do texto-base, mas isso deve ser feito em espírito de paz e unidade, sem polarizações e sem desviar o foco da Campanha da Fraternidade: “os fiéis, segundo a ciência, a competência e a proeminência de que desfrutam, têm o direito e mesmo, por vezes, o dever de manifestar aos sagrados Pastores a sua opinião acerca das coisas atinentes ao bem da Igreja, e de a exporem aos restantes fiéis, salva a integridade da fé e dos costumes, a reverência devida aos Pastores, e tendo em conta a utilidade comum e a dignidade das pessoas” (Código de Direito Canônico, cânon 212, § 3º).

Para uma conversão profunda que leve a uma mudança de vida é necessário voltar-se ao próprio interior, onde se pode redescobrir Jesus Cristo, especialmente na Quaresma. O texto-base da Campanha da Fraternidade nos recorda que a crise que levou os discípulos de Emaús a abandonarem a comunidade e a missão estava relacionada à imagem de Messias que eles ainda tinham (cf. Lc 24, 13-35). Provocados pelo Senhor, os dois discípulos começaram a falar: “a respeito de Jesus de Nazaré… Era um profeta poderoso em obras e palavras, diante de Deus e de todo o povo… Nós esperávamos que fosse ele quem haveria de restaurar Israel” (Lc 24, 19-21).  

É nessa fala que eles revelam o problema: “nós esperávamos…” (Lc 24, 21).  O que esses discípulos esperavam? No fundo, esperavam que as coisas de Deus acontecessem de acordo com a cabeça deles. Aqui, nos detemos com mais atenção nesse ponto:  o que nós, carmelitas descalços seculares, esperamos? Será que pensamos como os discípulos de Emaús ou nos colocamos no lugar do outro que sofre? Será que Jesus VIU, JULGOU E AGIU assim? Como diz a canção do Padre Zezinho, isto é “amar como Jesus amou”? Nesse ponto, nos lembramos de São João da Cruz, Nosso Pai e Doutor da Igreja, que nos ensinou a viver as virtudes teologais da fé, esperança e caridade em espírito de despojamento.

O tema da Campanha da Fraternidade deste ano, tratando de “Fraternidade e Diálogo: compromisso de amor”, nos desafia a refletir e conversar sobre aquilo que é desconfortável e, assim, expõe nossas fraquezas. Aproveitando que a Quaresma é um tempo propício para um profundo exame de consciência, façamos um exame de consciência sincero: estou olhando o meu irmão como eu gostaria de ser olhado ou condeno e excluo? Dissemino fake news com o intuito de fazer preservar o meu desejo e minhas ideias em detrimento da unidade da Igreja, na qual eu proclamo que pertenço?  Sigo linhas de pensamento e pregações de líderes que amedrontam, desunem, falam mal dos documentos da Igreja, dos Bispos, do Vaticano e do Papa? Tenho politizado tudo em nome de uma ideologia e de um partidarismo ou tenho sido fiel à Palavra de Deus e a Nosso Senhor Jesus Cristo, o carpinteiro que era filho da Virgem Maria e teve que fugir várias vezes de reis e opressores da sociedade da época?

Podemos continuar esse exame de consciência: estou usando os meios de comunicação para evangelizar, fazendo paz e unidade e conclamando o amor e a humildade na OCDS, na família, nas pastorais da Igreja, na escola, no trabalho e nos demais ambientes em que convivo? Vamos conferir nosso Instagram, Whatsapp, Telegram, Twiter e Facebook para ver como foi a nossa última postagem: foi uma manifestação de solidariedade, comprometendo-me com o diálogo e o amor? Nosso último gesto e última fala antes de ler esse texto poderia ser usado para fazer unidade diante do que estava dividido, como a Campanha da Fraternidade nos pede?

O Papa São João XXIII, santo da comunhão e da unidade, ensinou, na abertura do Concílio Vaticano II, a importância de priorizar os elementos que nos unem, como cristãos, e não aqueles que nos separam. Infelizmente, as discussões atuais estão deixando a intolerância tomar conta do diálogo, “desumanizando” o ser humano, que precisa ser buscado nesse contexto doloroso. As expressões “não estou nem aí com os demais”, “cada um por si neste mundo” e “não me afetando, está tudo bem” são formas de perceber os níveis de desumanização facilmente encontrados em diversos setores da sociedade. Em que medida faço parte disso?

Fica ainda, para nossa reflexão de carmelita descalço secular, o questionamento do texto-base: “como e o que testemunhar?” O parágrafo 117 nos fala sobre a Paz: “a afirmação ‘Cristo é a nossa Paz’ (Ef 2,14) confessa que, em Cristo, não há lugar para a violência e o racismo, para o ódio e a discriminação… Isso significa que Cristo é aquele que garante as relações de equidade e acolhida entre todos os povos. A Paz será fruto da vida em plenitude garantida para todos os povos”.

Relembramos também a poesia da saudosa Cora Coralina sobre o “Pão-Paz”:

“Haverá sempre esperança de Paz na Terra enquanto houver

um semeador semeando trigo

e um padeiro amassando e cozendo o pão…

Graças pela hóstia consagrada

que é Pão e Vida.

Pão da reconciliação do Criador com o pecador

recebido na hora extrema…

Graças, meu Deus, por essa bandeira branca de Paz

que traz a certeza do Pão.”

Nessa Quaresma, tempo de oração, jejum e esmola, rezemos e nos preparemos para viver intensamente o Tríduo Pascal, quando celebraremos a paixão, morte e ressurreição de Nosso Senhor Jesus Cristo, Nosso “Amigo Forte” no Carmelo. Terminamos essa carta rezando a oração da Campanha da Fraternidade Ecumênica de 2021:

“Deus da vida, da justiça e do amor, Nós Te bendizemos pelo dom da fraternidade e por concederes a Graça de vivermos a comunhão na diversidade.  Através desta Campanha da Fraternidade Ecumênica, ajuda-nos a testemunhar a beleza do diálogo como compromisso de amor, criando pontes que unem em vez de muros que separam e geram indiferença e ódio.

Torna-nos pessoas sensíveis e disponíveis para servir a toda a humanidade, em especial, aos mais pobres e fragilizados, a fim de que possamos testemunhar o Teu amor redentor e partilhar suas dores e angústias, suas alegrias e esperanças, caminhando pelas veredas da amorosidade.

Por Jesus Cristo, Nossa Paz, no Espírito Santo, sopro restaurador da Vida.

Amém!”

Como Santa Teresa do Menino Jesus e da Sagrada Face, Doutora da Igreja, relembramos, nessa Quaresma, a importância da nossa vocação carmelitana de viver o verdadeiro Amor que não foge da Cruz:

«Viver de Amor não é sobre a terra

Fixar sua tenda no alto do Tabor.

É, com Jesus, subir o Calvário;

É contemplar a Cruz como um tesouro!…

No Céu, a minha vida será de gozo;

Então, a provação terá acabado para sempre.

Mas, exilada, quero, no sofrimento,

Viver de Amor.”

No meio de tantas dificuldades, coloquemo-nos sob a proteção de São José e Nossa Senhora do Carmo, esse santo casal padroeiro das Províncias do Carmelo Descalço no Brasil. Abracemos a Cruz, colocando nossos olhos no Amor Infinito de Jesus Cristo, onde encontramos o verdadeiro sentido da vida, para que o nosso sofrimento seja transformado em pequeninos raios de sol que ajudem a iluminar e aquecer os lugares mais necessitados.

Que Nossa Senhora do Carmo, Mãe e Rainha do Carmelo, continue nos abençoando, especialmente quando celebramos o Ano de São José, Patrono da Igreja Católica.

Rose Lemos, ocds

Presidente da Província São José

Carlos Vargas, ocds

Presidente da Província Nossa Senhora do Carmo

Curitiba – Passos, 11/02/2021

Dia de Nossa Senhora de Lourdes e Dia Mundial do Enfermo(a)