Carta do Padre Geral à OCDS
Por ocasião do aniversário de Santa Teresa de Jesus, Nossa Santa Madre, o Padre Geral, Frei Saverio Cannistrà enviou uma carta à OCDS.
Segue, abaixo, o texto traduzido por Volnei de São Luís Gonzaga, OCDS.
CASA GENERALIZIA CARMELITANI SCALZI
CORSO D’ITALIA, 38
00198 ROMA
Roma, 28 de março de 2020
Queridos irmãos do Carmelo Secular:
Neste dia em que recordamos o 505° aniversário do nascimento da Santa Madre Teresa, saúdo-vos desejando que Jesus e a graça do Espírito Santo estejam convosco, usando as palavras com as quais Teresa costumava começar suas cartas.
Este aniversário nos recorda os grandes dons que o Senhor nos concedeu pela Santa Madre, de quem este ano também recordaremos o 50° aniversário do Doutorado, proclamado por São Paulo VI em 27 de setembro de 1970. A Carta Apostólica Multiformis sapientia Dei, que vos convido a reler e meditar, reconhece que Teresa tem sido “rememorada em todo tempo, quer pelos insignes feitos de sua vida, quer pelas exímias virtudes de seu espírito, quer pela agudeza de seu engenho”, e “escolhida como guia segura e mestra pelos doutores das disciplinas sagradas”. Como Teresa mesma escreveu: “É coisa muito sabida amarmos mais uma pessoa quando muito nos lembramos das boas obras que nos faz” (cfr. Vida 10.5). Portanto, ao reconhecer os dons recebidos da bondade de Deus na vida de nossos santos, na história de nossa Ordem, assim como na história pessoal de cada um de nós, tudo nos convida a dar-Lhe graças e a captar os sinais de sua presença viva, fiel e ativa nos acontecimentos do nosso tempo.
Neste contexto, gostaria de mencionar este ano outro evento importante de 20 anos atrás: o II Congresso Internacional da OCDS, realizado em San Juan de los Lagos (México), do dia 31 de agosto a 7 de setembro de 2000.
Ao recordar este acontecimento, em primeiro lugar gostaria de agradecer a todos aqueles que colaboraram nele, tanto na organização como no desenvolvimento, em particular ao Pe. Aloysius Deeney OCD (Delegado Geral para a OCDS), a Irma Estrada Franco OCDS (Secretária Geral da OCDS) e aos membros da OCDS do México.
Em segundo lugar, depois de uma breve nota do desenvolvimento do Congresso, gostaria de enumerar alguns de seus frutos, oferecendo uma reflexão para que possais continuar no caminho de seguimento de Jesus de acordo com o carisma do Carmelo teresiano com aquela atitude querida pelo cardeal e agora santo, John Henry Newman: “na vida é preciso mudar e ser perfeito significa ter mudado várias vezes”.
O II Congresso internacional
Na Carta aos participantes do Congresso (de 23 de setembro de 1999) se dizia que “o tema e o objetivo do Congresso será a revisão da Regra de Vida [de 1979], com especial atenção às responsabilidades e dons dos leigos na Ordem e na Igreja, tal como expresso em Christifideles laici, em Vita Consecrata e demais documentos da Igreja”.
Este objetivo respondia ao solicitado no I Congresso Internacional da OCDS de 1996 (realizado em Roma) e nas conclusões operativas do Capítulo Geral OCD de 1997: “A Ordem Secular deve ser promovida e apoiada nas diversas Circunscrições da Ordem, de acordo com a diversidade de situações. Em particular, pense-se na revisão da Regra de Vida desde o ponto de vista dos leigos” (n. 107a).
O II Congresso, do qual participaram cerca de 250 delegados leigos e religiosos, tinha como lema: Uma só ordem com o mesmo carisma. Queríamos enfatizar que o único carisma da Ordem é vivido de maneira diferente pelos freis, monjas e seculares, e que de uma sólida formação sobre a identidade dos leigos da Ordem, baseada na doutrina de nossos Santos Padres Fundadores, brota também a essência de sua missão, a de dar testemunho da amizade com Cristo e com nossos irmãos e irmãs em meio ao mundo.
Algunsfrutos do Congresso
Um primeiro fruto do II Congresso foi a criação de uma comissão internacional composta por 10 membros da OCDS de diferentes nacionalidades. O objetivo era levar a cabo a redação das novas Constituições. Foi coordenada pelo Delegado Geral e devia ter em conta as contribuições do I Congresso Internacional e as propostas dos grupos de trabalho do II Congresso e outras contribuições enviadas pelas Províncias. O trabalho de redação se realizou em 3 anos e, portanto, em 2003 se apresentou um esboço das novas Constituições da OCDS no Capítulo Geral de Ávila. Este esboço foi revisado pelo Definitório geral e finalmente enviado à Santa Sé, que o aprovou em junho de 2003.
As novas Constituições foram enriquecidas com a inserção do texto da Regra de Santo Alberto. Trata-se de uma adição importante, porque a Regra é a inspiração primordial comum a todos: freis, monjas e leigos. Isto foi confirmado pela inclusão nas Constituições da afirmação de que os leigos da OCDS são membros da Ordem,da mesma forma que os freis e as monjas (cfr. Proêmio e art. 1); os carmelitas seculares vivem o carisma de Teresa de Jesus e João da Cruz no mundo e enriquecem a vida consagrada (freis e monjas OCD) com sua secularidade.
Um desafio que talvez ainda devemos seguir enfrentando nas circunscrições é que a experiência do carisma do Carmelo Teresiano para a OCDS deve se realizar principalmente nas cercanias da família, o trabalho e outros compromissos em meio ao mundo. É ali onde deve se levar a cabo o testemunho do Deus vivente, que quer manter uma relação de amizade com cada ser humano criado à Sua imagem e semelhança. Infelizmente, percebe-se que ainda há membros da OCDS que vivem sua vocação somente nas sacristias de mosteiros ou conventos, sem um “contágio” real do carisma no mundo que os rodeia.
Outro fruto do Congresso foi a elucidação da identidade dos leigos na Ordem. Sua vocação é ao mesmo tempo contemplativa, leiga e apostólica, o que pressupõe o compromisso diário de integrar estes três elementos chave. Esta identidade traz consigo a consciência de ter elementos comuns do carisma teresiano com os outros ramos, com os quais deve colaborar numa interdependência que respeite as diferenças, as autonomias corretas e a identidade vocacional de cada uma.
A autonomia da OCDS deve ser bem entendida. Refere-se ao governo segundo suas próprias Constituições e Estatutos, mas também à formação. O acompanhamento dos freis, dos quais, por razões históricas, a OCDS depende legalmente (cfr. Const. 41; Ratio 19; cfr. Const. 2), deve promover o amadurecimento da identidade leiga na Ordem e as relações fraternas de colaboração, em mútuo respeito à autonomia de cada um.
Um terceiro fruto do Congresso foi a ênfase na necessidade de participar na missão e o apostolado da Igreja e da Ordem como parte integral da identidade vocacional do leigo da OCDS. A Igreja solicita-o nos documentos do Concílio Vaticano II, em Christifideles laici (1988) e em Vita Consecrata (1996). Esta dimensão estava um pouco subestimada e oculta devido a uma visão redutiva da contemplação. Em contrário, sabemos que o fruto de uma autêntica oração contemplativa é o serviço aos demais, esforçar-se em produzir “boas obras” (cfr. Santa Teresa, 5M 3,11; 7M 4,6) de acordo com as próprias capacidades e talentos, pelo bem da Igreja, da Ordem e da sociedade, como fizeram Teresa e João da Cruz (cfr. Const. 26).
Também a respeito disto, infelizmente ainda hoje existem mal-entendidos e muitos pensam que é suficiente assistir às reuniões da comunidade para algumas práticas de devoção, reflexão ou conferência, mas sem um compromisso real e concreto de serviço nas atividades da Ordem ou da Igreja na qual se encontram. Talvez isto se deva a uma formação débil, que não tem em conta o que recomendam as Constituições: “Nos três últimos anos de formação inicial se tenha um estudo mais profundo da Escritura, os documentos da Igreja, os santos da Ordem, a oração e a capacitação para uma participação no apostolado da Ordem…” (n. 36 d).
No Congresso, e como aparece nas Constituições, destacou-se a importância de organizar os conselhos provinciais nas circunscrições da Ordem (cfr. Const. 57). Sua missão específica é preparar os Estatutos da circunscrição e coordenar as iniciativas de apostolado e formação nas Comunidades. Neste sentido, muitas circunscrições organizaram e desenvolveram a OCDS com grande compromisso e colaboraram para aumentar a consciência da identidade leiga na Ordem e uma autonomia madura, crescendo em número, em organização interna e em formação, como também desenvolveram a comunhão entre as comunidades. Em outros países ou circunscrições, infelizmente e por várias razões, não houve nenhum avanço nesta direção. O Conselho provincial não atuou como órgão de comunhão e animação tanto para a vida das comunidades como para as relações com os freis e as monjas. E aqui, para todos, ainda há um bom caminho a percorrer segundo o princípio da sinodalidade, como mencionei na carta do ano passado.
Finalmente, como fruto adicional do Congresso, em 2009 se publicou a Ratio Institutionis da OCDS, que oferece os princípios orientativos da formação dos leigos do Carmelo teresiano, reafirmando a necessidade de uma formação sólida que permita empreender um caminho vocacional e o serviço na missão animados pelo espírito de nossos santos. Mais recentemente, o aspecto da comunhão fraterna se destacou na OCDS, com a inclusão do capítulo sobre a comunhão fraterna (3 b) e o parágrafo sobre São José (31 a). Assim se completou nos documentos o que é essencial na OCDS, definindo vossa identidade, objetivos e fins como membros leigos da Ordem.
Queridos irmãos e irmãs da OCDS,
Com esta recordação do II Congresso Internacional da OCDS e a indicação de alguns de seus frutos, para além de comemorar um evento importante na história da OCDS, gostaria de agradecer convosco ao Senhor seus dons. Que isto ao mesmo tempo nos impila a crescer espiritualmente, sobretudo a viver a caridade, para que paguemos com amor com amor o Amor infinito da Santíssima Trindade (cfr. João da Cruz, Cântico 38, 2-4).
Exorto-vos a conhecer cada vez mais vossos documentos, em particular as Constituições, tanto na formação inicial como na permanente. Recordai sempre que um carisma na Igreja é um dom do Espírito Santo, é uma realidade viva e dinâmica que deve ser constantemente cultivada e dar fruto, do contrário secará. E é ali, nos documentos da OCDS, onde vós encontrais os elementos essenciais do carisma do Carmelo teresiano adaptados à vossa vida leiga. Ante os muitos compromissos e as rápidas mudanças em nosso mundo pós-moderno, muitas vezes corremos o risco de perder nossas raízes e esquecer quem somos. Regressar de vez em quando às Constituições e aos escritos de nossos Santos vos confirmará numa doutrina segura que permite caminhar com firmeza e entusiasmo nos caminhos do mundo.
Peço ao Senhor que vos ilumine, para que sigais sendo fiéis aos elementos essenciais da vocação do carmelita secular. Que a luz e a força que provêm da oração como amizade com o Senhor e da relação fraterna com os irmãos e as irmãs, permita-vos responder aos desafios e necessidades de vossas realidades pessoais, familiares e comunitárias.
Também confio à vossa oração fraterna e filial o último Definitório extraordinário deste sexênio, que terá lugar na Cidade do México em setembro, assim como o trabalho preparatório para o Capítulo Geral que se realizará em maio de 2021.
Desejo-vos uma Santa Páscoa da Ressurreição a cada um de vós, a vossas famílias e comunidades. Que a contemplação de Cristo ressuscitado vos encha de paz e alegria (cfr. Caminho 26, 4). Que Maria, Regina Coeli, vos conceda a alegria de seu Filho vivo para sempre.
Fraternalmente,
P. Saverio Cannistrà OCD
Prepósito Geral
P.S.:
Gostaria de acrescentar para vós, membros da OCDS e vossos entes queridos, uma palavra de proximidade, consolo e esperança nestes momentos de prova devido ao Covid-19. Uma situação inesperada, rápida e envolvente que nos faz experimentar a fragilidade e a precariedade humana, física, psicológica e econômica, e sobretudo nos leva a refletir sobre a nossa relação com Deus, com os demais e com a natureza.
Obviamente, nosso primeiro dever é cumprir com as disposições das autoridades civis e eclesiásticas para evitar nos expor ao contágio e colocar em risco a nossa família e as pessoas que nos rodeiam.
Sei que há muitos desafios que deveis enfrentar, especialmente o não poder trabalhar para manter a família; aqueles que têm crianças ou idosos em seu lar devem manejar suas necessidades de cuidado e educação em espaços reduzidos, e isto também cria tensões e requer sacrifícios. Outros, sem embargo, experimentam solidão e isolamento, encerrados em casa sem a possibilidade de receber visitas. São situações que requerem muito equilíbrio, grande paciência e o compromisso diário de viver em harmonia e paz com os demais. Definitivamente, é um momento propício para exercer as virtudes teresianas.
Hoje estamos preocupados para nos equiparmos com dispositivos de proteção contra o contágio, mas também é importante usar a armadura da qual fala nossa Regra, “as armas das virtudes, viver uma vida de intensa fé esperança e caridade” (Const. 6 f), confiando em Deus, que permite a prova, mas não nos abandona nela. Recordemos constantemente as palavras de Isaías, citadas em nossa Regra: “No silêncio e na esperança estará vossa força” (Is 35,15; Regra de S. Alberto, 21).
Aproveitemos este momento de aparente impotência para orar, ler, formar-nos, fortalecer as relações familiares, fazendo que a necessidade se transforme em virtude, como disse Santa Madre Teresa (Cfr. Caminho 32,4; 5M 3,7; 6M 5,2). Intensifiquemos a oração, pedindo à Misericórdia do Senhor que acabe com esta pandemia e outros males; que Ele conceda força a todos os envolvidos na luta contra o vírus e na assistência aos enfermos.
Tradução:
Volnei de São Luís Gonzaga, OCDS.
Comunidade Santa Teresa de Jesus (Província Nossa Senhora do Carmo).
Segue abaixo o documento em PDF.